terça-feira, 17 de maio de 2011

A festa e a procissão do Senhor Jesus dos Navegantes de Ílhavo


Andor do Senhor Jesus dos Navegantes de Ílhavo
em dia de festa, c. 1930
   Vem de tempos imemoriais apego das nossas gentes às lides do mar; pela sua situação ribeirinha, o mais natural seria que os homens de Ílhavo se voltassem para a ria, onde, saindo pelo esteiro da Malhada começaram por uma pesca muito artesanal, tentando tirar das suas águas o peixe que iria prover ao sustento das suas famílias, sendo o excedente vendido pelas mulheres, que o apregoavam no seu linguajar cantante. Daí aventuraram-se ao mar, primeiro em São Jacinto, depois na Costa Nova onde, num barco a remos, característico da arte xávega, ultrapassavam a rebentação, indo lançar a rede mais ao largo. Mas o ílhavo foi sempre corajoso e lá se aventurou na cabotagem e no mar alto na pesca, nos transportes, etc., sempre com barcos e aparelhagem rudimentar.
   Sem grandes recursos, em dias de “mar bravo”, grandes tempestades, seriam bem aflitivas as situações por que passavam!
   O homem do mar é por índole crente e temente a Deus. É ao Seu Divino Filho que recorre em momentos de perigo e são tantos… É a imagem do Cristo sofredor, na cruz, que traz no coração, imagem que se encontra ao culto na Igreja Matriz sob a invocação de Senhor Jesus dos Navegantes, cuja festa se celebra, ainda hoje, no primeiro domingo de Setembro.

   A procissão fazia o seu itinerário de inicio pela rua Direita ou rua Arcebispo Bilhano, saindo da Igreja Matriz, intersectando a Praça da República e seguindo até à Capela de Nossa Srª do Pranto, regressando depois. Era acompanhada ora pela custódia paroquial ora pela relíquia do Santo Lenho. Este trajecto foi até ínicios do século XX o principal da antiga Vila de São Salvador, quer para os actos de culto quer para os civis.



Na sua imponente procissão, cujo itinerário foi há anos alterado, integram-se as irmandades da Senhora do Pranto e do Santíssimo Sacramento e Almas, os tradicionais anjinhos. Os meninos que levam os ramos da mordomia, tomam lugar à frente do andor do Senhor Jesus, adornado com o lugre miniatura, sanefas adamascadas e os característicos ramos de flores artificiais; seguem-se as representações dos marítimos, com as suas respectivas bandeiras e uma banda de música.
Atrás do pálio seguem as autoridades locais, penitentes cumprindo promessas, a mordomia e outra banda de música.
Atrás desta, o povo de Deus.

Armação da Festa ao Senhor Jesus dos Navegantes - 1952
(SENHOR JESUS ABENÇOAI OS NOSSOS MARINHEIROS - ÍLHAVO)

Subida para Alqueidão, procissão de 1999
   Segundo o itinerário actual, a procissão, saindo da Igreja Matriz segue pela Avenida Manuel da Maia, subindo à Rua de Alqueidão até ao cais da Malhada, onde é feita uma paragem e rezada e reflectida uma passagem da Sagrada Escritura. 
   Procede-se à bênção das actividades marítimas, já que é aí que Ílhavo está voltado para o mar; as águas da ria estão salpicadas de barquinhos engalanados e coloridos que saúdam, enquanto se retoma o caminho pela Avenida 25 de Abril. Na Igreja, com as orações finais dá-se por terminada a procissão.

   E é assim que, ao honrar e louvar o Senhor Jesus, se continua uma tradição velhinha de muitos anos, que se pretende melhorar cada vez mais, para glória de Deus

   Anos houve em que a festa ao Senhor Jesus se efectuou em Novembro e Dezembro.

   Na segunda-feira a, ao final da tarde, celebrada a Missa de sufrágio pelos marítimos falecidos; e como em Ílhavo ”quem não rema, já remou!”, a maioria das pessoas tem as raízes ligadas ao mar e a Igreja fica repleta.
   No final da Missa são distribuídos os ramos pelos mordomos que estão na disposição de dar continuidade à festa e a isso se comprometem perante o pároco e a comunidade.

Comissões de Festa e Mordomias

Da festa do Senhor Jesus, embora havendo referências desde o século XVII, só há registos escritos a partir de 1865, que não vão além das receitas e despesas. É de 1953 uma das primeira listas escrita da mordomia do Senhor Jesus; era pároco o agora Bispo Emérito do Porto D. Júlio Tavares Rebimbas.

Procissão de Dezembro de 1956
D. Júlio Tavares Rebimbas,
segurando a relíquia do Santo Lenho;
lanterna (Cap. José Bilelo)
pálio da direita para a esquerda
(Joaquim da Graça; Mário Paulo do Bem
Carlos FernandesParracho; José Leite
 João Rigueira Alão; Francisco Leite
António Pascoal)

Mordomia do Senhor Jesus dos Navegantes para 1953

Juiz – Capitão Carlos Fernandes Parracho – Rua João de Deus
Tesoureiro – Capitão Manuel Guerra – Rua João de Deus
Secretário – Capitão Augusto Labrincha – Rua João de Deus
Vogais –
Capitão Armindo Ré – Rua de Camões
Capitão Armando Ramalheira – Corgo Comum
Capitão António Augusto Marques – Rua João de Deus
José António Bichão – Rua João de Deus
Manuel Carlos Ratola – Rua Direita
Júlio de Oliveira Bio – Rua Direita
José Oliveira da Velha – Rua Dr. Samuel Maia
José Paulo Moreira Patacão – Rua Dr. Samuel Maia
Manuel Soares Melo – Rua Dr. Samuel Maia
Sara de Jesus Grilo – Rua Dr. Samuel Maia
Adelaide da Silva Anadia – Rua Direita

   Após as obras de restauro da Igreja há, a partir de 1977, um interregno no que respeita à procissão, que deixou de percorrer as ruas de Ílhavo. Contudo, o altar do Senhor Jesus foi sempre zelado por um grupo de mordomas e sempre tiveram lugar os tradicionais actos de culto no primeiro domingo de Setembro.


Cartaz da festa de 1982
   A partir de 1982 é retomada a saída da procissão e a festa continua, até hoje, nos moldes habituais. A ornamentação da Igreja e do andor sempre foram preocupação prioritária das mordomias, sendo a missa da festa preparada com cuidado e devoção. Na semana anterior é altura da reconciliação com Deus, já que quem ama o Senhor O quer receber de coração renovado.

   Além da festa religiosa decorre, no jardim Henriqueta Maia e suas imediações, um alegre convívio de todos que, ao som da música, passeando pelas ruas decoradas com armações iluminadas e tendas de vendedeiras de bolos, esperam pelo fogo de artifício, o ponto alto do arraial.

in Cálão, Hugo, Madaíl, Isabel,
Senhor Jesus dos Navegantes - Mar e Devoção,  2007, pp. 16-21
Ed. Paróquia de São Salvador de Ílhavo, nº depósito legal 262970/07